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quarta-feira, 3 de julho de 2013

SÓ O SILÊNCIO ME OUVE... Vóny Ferreira



Agora que o céu se abre na minha mente como um espanador que boceja carícias e promessas imperceptíveis, preciso levantar a lápide que me serviu de cama e fugir dessa letargia incómoda que me trouxe exaurida e iluminou os meus olhos com escuridão. É ainda o meu instinto de sobrevivência que impera? Acho que sim… eu, a lutadora cobarde das horas mortas que se sente heroína quando as palavras me tornam capaz de vencer todas as batalhas. Inútil e triste é a minha pobre sina, mas tenho que me debater porque ainda não é a hora de desistir… Acho que preciso urgentemente renascer e recriar-me. Apanhar a aurora, com os olhos bem abertos e sem lágrimas como tanto aprecio. Vendo-a, extasiada, afastando-se lentamente do enlace ainda quente da noite. Preciso sim… oh, como preciso de acreditar que esse milagre intraduzível me possibilitará erguer das cinzas fumegantes onde caí. Arrastar com a ajuda do meu anjo da guarda, as pedras do meu castelo desmoronado por um tornado repentino, que me deixaram soterrada até aos ossos. Preciso aprender de novo as leis básicas da sobrevivência. E se a minha memória estiver definitivamente vulnerável? O que farei? Terei um vento calmo à minha espera a insinuar-se através do teu perfume que me guia? Ou terei o afago distante dos teus olhos de alecrim a dizer-me que as nossas almas serão eternamente incorruptíveis? Estou em estado de choque, meu Deus, e sinto tanto medo! Tento despir-me sem forças do barro negro que me transfigurou durante todo este tempo. Deus… Meus Deus… Conseguirei?- Serei capaz? Neste momento só quero olhar sem medo os olhos lânguidos e asquerosos daquele morcego branco que me fazia ter pesadelos horripilantes. Acordar febril e sobressalta como uma menina que nunca teve mãe. Aquela monstruosidade albina que teimava em desfigurar a noite dos meus dias, poisado nos meus ombros. Mordiscando-os a sorrir por dentro. Gretando-os, numa violação silenciosamente cínica. Hoje eu sei que somente a fixidez dos meus olhos apavorados foi alargando as brechas da janela de betão que por vezes aparecia pintada no bolor das paredes sujas onde vivi enclausurada com correntes de vidro lascado. Eu e esse monstro albino com asas de penas, mordendo o silêncio com gritarias que me sugeriam que esse seria o meu verdadeiro anjo da guarda. Era nesses breves momentos de falta de lucidez ou de pura loucura que me apercebia que o sol estreito e frio ia teimosamente escorregando na minha direcção como se quisesse abraçar o meu medo. Eis porque me interrogo: - Precisarei de escavar o mais profundo de mim mesma para me reencontrar? Serei louca quando idealizo e vivo realidades inarráveis? Ou estarei consciente que o que vejo ou sinto é a única realidade que sustenta a minha existência? Sinto-me muitas vezes filha de alguém cuja alma ainda deambula pelos desertos de conchas e algas que existem no oceano onde morreste numa vida passada para me salvar. É como se a tua voz viesse das profundezas numa espécie de furacão que me empurra para o outro lado do oceano onde as areias são mais brancas e as ondas menos traiçoeiras. Salvaste-me para te perder? Mas então que sentido dá isso às nossas vidas? Tudo quanto me rodeia, agora… se torna ainda mais incompreensível e tenebroso. A sensibilidade que me rasga por dentro e simultaneamente me veste de tudo quanto há de transcendente e belo é um rastilho do nada que vai sustentando tudo aquilo em que vou acreditando. Há alguma razoabilidade nessa descrição paranóica? Sou o que sinto ou aquilo que me obrigam a representar para que seja mais consentânea minha vivência com aqueles que me rodeiam? Cada vez mais desprezo o mundo, as verdades impostas, os catálogos com regras que só existem para baralhar os espíritos mais abertos e que por mais que fraquejam em determinados momentos não se vendem ao silêncio cúmplice daqueles que querem parecer mais idóneos e mais tranquilos. Desde que me conheço que me mato para renascer perante os olhos dos crocodilos com a fórmula ideal que me fará ser a espada rachada, nesta guerra de interesses e de imoralidades aceites. Desprezo-me e enalteço-me com a mesma veemência. Sentir o que sinto é aceitável ou é a confirmação da minha falta de lucidez e compreensão da realidade e desta minha vida? Muitas vezes faço-o só por uma questão de sobrevivência mental e isso é o que mais me choca e aterroriza. Resta-me algumas forças no entanto para chicotear a minha teimosia e transformá-la nesta deprimente coragem de lacrau encurralado que cercado, luta pelo simples instinto de sobrevivência. Enquanto vou esperneando e movimentando os braços numa ânsia desconforme de me sentir viva. Fazendo-o como quem é vítima de uma convulsão gigantesca, vai-me ficando a sensação agradável que levito por aí sem rumo. Sem alma, sem emoções, sem órgãos vitais a tornarem visível esta decadente indiferença que se apodera dos meus ossos e floresce por cima da pele como um cacto perdido num deserto hostil. É uma espécie de sinal da cruz, para que eu me ajoelhe e reze por todos os pecados que cometi ao procurar manter a minha autenticidade indomesticável. Não sei se estou destinada a continuar a viver neste trapézio de papel sujo pelas palavras que me saem da alma como arrotos descomunais e desagradáveis. Para quê escrever se essas palavras já nada dizem ou traduzem? Talvez eu saiba que no momento em que deixar de o fazer, morrerei por asfixia, como um peixe fora de água. Espero o sinal divino, nada mais… Talvez porque pressinta que este é o meu destino. Que o tenho que cumprir até cair ao comprido sem uma réstia de oxigénio que me devolva a esta vida incompreensível que me faz sentir mártir num paraíso de víboras e lobos. Resta-me, será? Resta-me… atravessar de peito aberto, os teus olhos fechados, o teu coração mirrado borbulhando em carne viva por entre estas linhas tortas que me abafam e revelam todos os sofismas que minam a saúde dos meus pulmões tão negros como a dor que sinto em mim. Não é que isto seja um lamento, não! Quando já nada espero eu sou uma espécie de formiga. Aguardo resignada que me pisem e me esmaguem. Tudo é preferível a uma morte lenta, como se os segundos pingassem os minutos com uma preguiça de uma tartaruga coxa. Vóny Ferreira______________2013

M.Ivone B.S.Ferreira

1 comentário:

Ronilda David/Loubah Sofia disse...

Uma dor tão fina que corta em minusculos pedacinho cada fibra do ser...Porem a beleza não só encanta,como enternece ao sentir quão suave é o teu tocar nas letras, quão bailarina sois no mover das palavras que afagam-te sopros de um : talvez...

Ler-te é indescritível Querida Vony.

Em Ti meu abraço com saudades, mas sempre tenho-te aqui no regaço das minhas lembranças.